terça-feira, 28 de abril de 2009

Arqueologia da Mente



Por Flávio Leite

Esta postagem cumpre, de fato, o objetivo fundamental deste blog, no sentido de edificar a criação literária com o desenho, ou seja, escrever o desenho e – ao mesmo tempo – edificar o desenho com a criação literária: desenhar o texto. Por conseguinte, desenho e palavras são, aqui, como irmãos siameses.

O avanço tecnológico tem permitido a separação de tais irmãos. Contudo, neste blog, o objetivo é colocar mais cola entre eles. É curioso saber que a mesma tecnologia que nos aguça a curiosidade a respeito da existência de vidas extraterrenas necessita, ainda, da produção artística para o conhecimento da vida escondida dentro da nossa própria vida: o inconsciente.

Desta maneira, cada mente tem a sua própria visão, o seu próprio conceito e a sua própria teoria sobre Palavras em Risco. Mais impressionante ainda é a interação do inconsciente de quem vê com o inconsciente de quem cria. Aqui, obra, criador e espectador se unem no que o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung
denominou: inconsciente coletivo: a camada mais profunda da psique humana. Ele é constituído pelos materiais que foram herdados da humanidade. É nele que residem os traços funcionais, tais como imagens virtuais, que seriam comuns a todos os seres humanos.


Subconscientemente

Mente a sua mente
Quando esquece facilmente
Dos bons e velhos camaradas
De quão longa jornada
Que se fazem presentes
Verdadeiramente: presentes
No abraço oxigenante
No ombro apoiante
Ante o peso lacrimal
Vertido sobre um peitoral
Que inevitavelmente carrega
Per fuma e rega
Um coração quebrado pela ira
De uma imprudente mentira
Mente sua mente mente
Quando olvida ingratamente
Dos grandes companheiros
Que se fazem herdeiros
Das lembranças mais ensolaradas
Destas longas caminhadas
Outrora e sempre presentes
Verdadeiros: Presentes
Oh mente doce!
Por que mentes docemente?
Peço-lhe simplesmente
Não se esqueça desses Entes
Para não quebrar-me esta rima de repente
Se o esquecimento é algo indiferente
Esquece-me então a dor de dente
A dor latente,
A dor ardente...
Pois o esquecimento é
Uma calúnia de mente
Esquecer-se de algo importante
Não é lá muito elegante
calma! Nada está perdido
Ou na alma está inocivo
Ou despertará no inconsciente coletivo



Poema: Subconscientemente
Autor: Flávio Leite
Desenho: Wesley Barbosa
Copyright-todos os direitos reservados

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Com o Tempo

O Sr. Leite, com 177 anos...


Flávio Leite

Um dia você descobrirá que o tempo é o livro da sabedoria
Em suas lembranças, toda a sua vida passará como um filme
Aí sim você entenderá que o amor é a única força que ocupa
Todos os vazios da alma e se arrependerá de tê-lo economizado
Compreenderá que inevitavelmente aquela pessoa que te fez sofrer
Precisará do seu perdão e você terá de perdoá-la
Para o seu próprio bem.
Possivelmente, já com os cabelos todos brancos e a pele enrugada
Você conseguirá ver que a beleza do ser humano não está no corpo físico,
Mas nas suas atitudes e ou comportamentos.
Será dolorido lembrar-se daquele amor que não deu certo,
Daquelas noites chorosas, daquele aperto no peito,
Daquela vontade de desistir da vida...
Porém, com um largo sorriso no rosto, você balançará a cabeça
E dirá baixinho: obrigado Deus por ter me permitido tão lindo presente
E, assim, você perceberá a importância das tempestades na vida
E, conseqüentemente, entenderá que o segredo da felicidade
Não está em ser sempre feliz, mas em saber sofrer como o próprio Cristo
Com o tempo, você descobrirá o poder das palavras
De tal maneira que escolherá o que deve e o que não deve der dito
Com o tempo, seu corpo ficará mais frágil, seus passos mais lentos
E, então, você entenderá a beleza que é ter um coração de criança.


Poema: Com o Tempo
Autor: Flávio Leite
Desenho: Wesley Barbosa
Copyright-todos os direitos reservados

terça-feira, 7 de abril de 2009

As Aventuras e Desventuras do Tio Elias


A minha família não é diferente. Nela tem um louco, um bêbado, um pobre, um rico, um religioso, uma velha enjoada, uma mãezona, um obsessivo compulsivo, um contador de “causos”... Este, sempre desperta minha atenção com seus relatos. Trata-se do meu tio Elias Feitosa, um camarada dotado de grande imaginação, alto poder de retórica, muito bom humor e uma boa pitada de desatenção. Volta e meia ele aparece com uma nova. De fato, seria uma tremenda sacanagem não registrar suas peripécias. Apresento-lhes: As Aventuras e Desventuras do Tio Elias.



Por Flávio Leite



Da Xícara Quebrada

Em um preguiçoso final de semana, tio Elias saiu a passeio com sua mulher e alguns outros familiares. Em verdade, eles não sabiam para onde estavam indo. Apenas tinham em mente a vontade de passar um dia entre árvores, pássaros, mato e – quem sabe - um rio coalhado de peixes para eliminar o estresse do dia-a-dia. Após muito dormirem na beira do rio, eles decidiram comprar uma galinha, haja vista a ausência de habilidade para a pesca. Logo, encontraram uma placa com os dizeres: “vende-se galinha caipira”. Tio Elias bateu palmas e chamou:

- Ô de casa!

- Pois não moço – Disse um garoto ao abrir a janela.

- Tem galinha aí menino? – Perguntou Elias.

- Tem sim senhor. Vou chamar a minha avó.

Passado algum tempo, a velha saiu de casa para atendê-los. Cabelos brancos, pele maltratada, boca desdentada, unhas grandes e sujas, roupas velhas e rasgadas... De fato, a primeira impressão não foi das melhores. Pois que a lida no campo a impediu de conhecer qualquer tipo de vaidade, entretanto a tornou uma senhora amável e receptiva.

- Em que posso ajudar “ocês” meus amigos? – Perguntou a velha senhora.

- Queremos comprar galinhas!

- Então vamos entrando meus queridos. Estou “apreparando” uma merenda e vocês são meus convidados.

Ao adentrar a casa da velha, tio Elias enojou-se com a falta de higiene do ambiente. O local exalava um odor desagradável como cheiro de fígado bovino em decomposição. Mesmo com a perturbante insistência da senhora, eles não quiseram experimentar nada dos lanches oferecidos. Os cômodos estavam abarrotados de sujeira, as panelas abertas e cheias de moscas. Ainda assim, a receptividade da velha senhora não deixava dúvidas: ela fazia de tudo para receber bem as pessoas que se aproximavam da sua humilde chácara.

- Pelo menos um cafezin “ocês” vão tomar não é?


De rabo de olho, tio Elias olhou para sua irmã Neide e sussurrou em seu ouvido:
- Vou ter de tomar, pelo menos, um café para não fazer desfeita. Pois não podemos negar a boa vontade desta velha senhora.

A mulher passou o café e pegou uma velha xícara que tinha um pequeno buraco na borda. Apreensivo, tio Elias olhou atentamente para a xícara e pensou na melhor posição para tomar o café, de maneira a não sentir nojo depois. Em pensamento ele disse: vou tomar o café por esse buraquinho, pois acho que ninguém põe a boca nele. No momento em que tio Elias tomou o primeiro gole de café, o garotinho exclamou:
- Olha vovó, ele toma café no mesmo cantinho da xícara que a senhora gosta de tomar!



Conto:As Aventuras e Desventuras do Tio Elias

Autor: Flávio Leite
Desenho: Wesley Barbosa

Copyright-todos os direitos reservados

sábado, 21 de março de 2009

Artefatos da Arte


Por Flávio Leite


Arte não é qualquer coisa
Arte é coisa qualquer da alma
Expressão sublime do inconsciente
Parênteses vazios
Reticências infinitas
Portas sem passagem
Passagem, 100 ou mais idas e voltas
Rios sobre Ponte
Pegadas sobre a água
Caminhos fora das metas
Metáforas, metáforas, metáforas...
Frases com artigos preciosos
O, a, os, as
Um ali, uma aqui, uns aqui, umas ali
Textos para encher jornal
Jornal para embrulhar peixes, carnes
E outros artigos de antiquários modernos
Sentidos figurados
Figuras sem sentidos
Olhos, bocas, ouvidos, mãos e intuição
Eufemismos que dão origem a termos inexistentes: “eumachismo”
Artifícios sem fogos
Fogos sem pólvora
Explosão sem fogo
Algarismos fatoriais
Combinações, arranjos
Raciocínio Lógico
De um neurótico que chega à psicose consciente
Arte é, ainda, sujeito rústico
Em traje cor-de-rosa
Suar água de colônia
Soar normal a olhos estranhos
Conceituar Estética, beleza, divindades...
Arte é: estria, gordura,
Magreza, olhos verdes, cabelos duros...
escala pentatônica de vários átomos
De maneira a formar
Sagradas melodias em diferentes tons:
Verde, amarelo, azul e branco...
Descanso de pétalas amarelas
Sobre as costas das formigas
Que preguiçosas, apenas comem e dormem no inverno...
Cigarras esforçadas doutoradas em música:
Harmonia, melodia
Lua de dia
Sol de noite...
Uma bagunça organizada
Uma ordem deslocada
Uma loucura ordenada...

Poema: Artefatos da Arte
Autor: Flávio Leite
Desenho: Flávio Leite
(obs: Wesley Viajou e eu aproveitei para mostrar meu talento) hehe...
Copyright-todos os direitos reservados

sexta-feira, 13 de março de 2009

Ensaio: "A Complexidade Dos Detalhes"





Por Flávio Leite


Com que exatidão você conseguiu memorizar as sensações e as imagens deste milésimo de segundo que acabou de passar em sua vida? Em uma tarde de calor intenso, com ruídos emitidos pelo motor de um ventilador e sentindo-me agoniado por conta do aquecimento global que nos ataca, tal questionamento invadiu-me.

Como a adentrar o Fantástico Mundo de Bob, uma série de desenhos que tem como protagonista Bobby Generic (um menininho que usa sua imaginação para compreender fatos da vida dos adultos), “viajei”: e se nós abrangêssemos todos esses fragmentos de vida registrados em pequenos fotolitos, de tal maneira a formar um grande filme com cada minúsculo detalhe de vida gravado?

É curioso ver o mundo como um emaranhado de detalhes. Porém, este fascínio me domina, ainda mais, quando percebo ou tento entender a complexidade que cada ser carrega em si. Neste ponto do texto, talvez muitos estejam pensando: que filosofia maluca e barata. Entretanto, esta é uma filosofia muito construtiva. Pois, penso que se déssemos mais importância a cada milésimo de segundo vivido, olharíamos a vida com mais gratidão.

Contudo, ao fim desta “excursão”pelo infinito mundo das idéias, lembrei-me de um documentário chamado “Janela da Alma”. Mais precisamente, recordei-me das sábias palavras de um “jovem” senhor chamado José Saramago, autor do livro Ensaio Sobre a Cegueira. Para Saramago, a visão limitada do homem o faz ser como é. Ele fez uma parábola e imaginou: se Romeu tivesse os olhos de falcão, provavelmente não se interessaria por Julieta, já que ele enxergaria muito mais defeitos do que o olho humano é capaz de fazê-lo. Eis aqui a importância ou a cautela que devemos ter com os detalhes. Ou não se lembra do homem simples e puro de coração que, passados 2 mil anos, ainda se faz presente em qualquer roda de debate?
Paz e Bem!!!


Texto: Ensaio sobre a complexidade dos detalhes

Autor: Flávio Leite

Desenho:Wesley Barbosa

Todos os direitos reservados


quinta-feira, 5 de março de 2009

Laços Coloridos





Por Flávio Leite


Enquanto o namorado descansava no calor do seu colo, ela contava:

- Hoje encontrei o Fernando.

Ele está tão jururu.

- Fernando?

- Sim, um amigo meu que você ainda vai conhecer.

- Mas, o que houve com ele?

- Ah! Terminou um relacionamento.

- Pois é... romper laços é sempre difícil, mas muitas vezes necessário.

Na mesma posição, sentada no sofá com as pernas estiradas sobre a mesa de centro, Lírio continuava a relatar outro caso de desafeição amorosa. Roberto, outro amigo, também estava recém solteiro, mais precisamente - como ela dizia - recém liberto das grades do ciúme.

Intrigado, o namorado disse:

- Mas que coisa, hein? Esses relacionamentos de hoje são tão estranhos. O homem não respeita mais a mulher, a mulher também muitas vezes nem mesmo se respeita.

E tirando onda ousou cantarolar:

- Eu sou aquele amante à moda antiga, do tipo que ainda manda flores...

Manifestou-se, naquele momento, um sorriso no rosto da pequena. Enquanto mantia o olhar fixo e sem uma direção específica, Lírio celebrava silenciosamente o início da descoberta de uma idéia fantástica. Haja vista que, como uma boa Cristã, lhe dava prazer oferecer ajuda ao próximo. De repente, Lírio arregalou seus olhos castanhos e como a comemorar um gol do Gama, aos 47 do segundo tempo, em uma final de Campeonato Brasiliense, exclamou:

- Eureka! Vou apresentar o Roberto ao Fernando.

Entre gargalhadas, ele disse:

- Tenho grande respeito pela opção sexual das pessoas. Respeito muito a escolha ou falta de escolha pela homosexualidade. Exatamente por este motivo, não utilizo o termo "homosexualismo".

E entre muitos risos brincou:

- Mas saiba que se Deus condenar os gays ao inferno, você vai junto!



Laços Coloridos
Conto: Flávio Leite
Desenho: Wesley Barbosa
Todos os direitos reservados

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O Canto da Esquina





Por Flávio Leite


Deixe-me aqui, neste canto desafinado

É uma esquina rouca, quase muda

Mas nunca sai deste canto

Ainda que eles tapem os ouvidos

Esqueça-me aqui, neste canto desentoado

É uma aresta fria, quase um gelo

Mas nada agasalha o meu canto

Nem mesmo eles, tão frios

Largue-me aqui, neste canto sem sorte

É uma quina sem ganhador, quase um gasto

Mas este é meu único canto

Ainda que eles tentem me calar

Abandone-me aqui, neste canto malsoante

É um vértice faminto, quase uma cratera

Mas, neste canto eu espero

Que um dia eles me ouçam, em breve ou semibreve



O Canto da Esquina
Poema: Flávio Leite
Desenho: Wesley Rodrigues

Todos os direitos reservados

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Tempos Modernos



Desenho de Wesley Rodrigues


Por: Flávio Leite

Lembro-me bem que, há pouquíssimos anos, uns senhores distintos e bem treinados ganhavam a vida de maneira diferente. Eles batiam de porta em porta para oferecer (ou empurrar) as enciclopédias Barsa, uma das mais conhecidas do mundo, um espetáculo de informação! De certo, que neste momento, algum garoto esteja se perguntando: o que é uma enciclopédia? Caro amigo, trata-se apenas do que você chama de Wikipédia, porém impresso, como um grande e grosso livro.

Na minha época de escola, recordo-me que minha mãe caiu na boa conversa de algum desses bons vendedores e gastou uma fortuna para comprar a coleção da Barsa. Eu fiquei fascinado com a quantidade de informações contidas naqueles livros vermelhos. A minha felicidade se alargou, quando encontrei o assunto a respeito do meu trabalho escolar. Na época, eu achei muito fácil. Tive apenas de copiar todo o texto em uma folha com pautas, grampear, colocar o cabeçalho e desenhar o título na capa.

Nunca imaginei que no futuro seria tão mais fácil. Em tempos de internet, o Google resolve tudo. Basta copiar da rede e colar no editor de texto. Entretanto, há quem ainda acredite na existência de vendedores da Barsa. Desta discussão, me abstenho. Contudo, posso garantir que os livros continuam a ser vendidos. Outro dia, em uma visita a um sebinho da cidade, encontrei toda a coleção por uma pechincha: R$ 1,99.
Até a próxima, paz e bem!

Palavras em Risco
Tempos Modernos
Por: Flávio Leite
Desenho: Wesley Rodrigues

Todos os Direitos Reservados
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